quinta-feira, 3 de junho de 2010

O rapaz e a gaivota


(Este conto foi construído em episódios ao longo de 8 aulas do terceiro período e nele foram incluídos excertos de poemas que se encontram sublinhados e que foram coleccionados por cada aluno no segundo período a partir de leituras poéticas feitas no início de cada aula)


O rapaz e a gaivota



Sim, estou vivo. Todo o meu corpo é feito de matéria. Degradável. Que se move. Nasci assim e assim tenho de viver, com tudo o que herdei: sentimentos e emoções.
         Tenho saudades do optimismo, dos sorrisos e das estrelas. Sinto-me pesado, talvez o meu coração de algodão se tenha transformado. Em chumbo. E eu peço a quem me estiver a ouvir para pedir às paredes, ao tecto, céu e universo para não se apoiarem tanto em mim. Porque custa. Custa ouvir e falar, custa lutar e sobretudo custa entender. Pois somos tão adultos que não há ninguém mais velho que nos acaricie. Saberia bem se vivesse dentro dos meus sonhos. A minha casa poderia transformar-se numa cabana, no meio de uma falésia, no meio do mundo. E eu poderia ser feliz e poderia acreditar que era feliz. Às vezes penso que se as crianças e os poetas confundem o sonho da realidade, é porque talvez tenham razão. Talvez eu possa acreditar.
         Ontem fui à praia: um dia de primavera demorando-se em tudo o que é água. Arregacei as calças e caminhei sobre o mar. O sal tornou-se na minha segunda pele e eu senti braços salgados a envolver-me em carícias ligeiras. Ontem o mar estava de bom humor. Sentei-me na areia a observar o oceano. Demasiado grande para ser descodificado. E vi-a. Uma criatura livre. Aquela gaivota branca que acompanhava os meus cabelos compridos e os seus movimentos, dançava no ar. Sozinha como eu, mas feliz como uma gaivota. Ficámos os dois em silêncio a observar-nos. Ela levantou voo outra vez. Batia as asas com afinco, como que para me fazer ciúmes. E de seguida pousou numa rocha perto de mim. O mesmo sucedeu três vezes mais. Em mim, a única coisa que mexia eram os meus cabelos, manipulados pelo vento. A gaivota soltou notas à brisa e num instante, a pequena ave cortava o ar outra vez. Sim, desta vez entendi. Levantei-me num ápice e corri. Corri com todas as minhas forças, abanando os braços como ela me ensinara E gritei, numa tentativa animal. Naquele momento senti-me leve e poderoso. Eu e a gaivota voávamos na mesma direcção. Apenas nós e a liberdade de nos sentirmos livres. A prova disso são as minhas pegadas marcadas no areal que agora pertencem ao mar e ao vento. Todo o meu corpo entrou em êxtase, afinal, pode dizer-se não a um pássaro? Esfalfado, parei. Olhei em redor e vi o caminho que tinha percorrido. Vi também que o pequeno animal se tinha misturado com outras gaivotas e o bando de aves afastara-se. Fiquei só. Ou melhor, acompanhado pelo mar, areia e todos os seres que lá vivem. Nesse momento apercebi-me que o universo não tem afeições humanas e que tudo é movimento. Caminhei pela praia outra vez, desta vez no sentido contrário. As minhas pegadas misturaram-se e na areia ficaram desenhados dois rumos. Ambos correctos, pois quando voltei, o meu coração regressou a algodão e os meus olhos, antes entreabertos, descerraram-se. Agora vejo tudo mais luminoso e se tudo não for uma beleza, então nada é.
         Sim, estou vivo.


Carolina Serrano, 10 L




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